A religião não é um método de análise da realidade. O
marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira
ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal,
que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos
cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso.
A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a
cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a
milhões de seres humanos.
Ora, já está provado que o capitalismo não assegura
um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos
buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências
do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os
católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos
haverão de 'partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho
humano'. A isso Marx chamou de socialismo.
O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx,
lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital — um legado a favor da
humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição
de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867.
'Marx não está morto e é preciso levá-lo a
sério', disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. 'Há que se
confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da
acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas
aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20'.
O autor do novo 'O Capital', nomeado
cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de 'sociais-éticos' os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo
neoliberal, qualifica a especulação de 'selvagem' e 'pecado', e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo
normas éticas de uma nova ordem econômica e política.
'As regras do jogo devem ter qualidade ética.
Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao
capitalismo', afirma o arcebispo.
O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a
Karl Marx, a quem chama de 'querido homônimo', falecido em 1883.
Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que
sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre
os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.
(Frei
Betto – escritor, teólogo e filósofo)
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