23 de abr. de 2012

O PAPA E MARX II

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  A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso. A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos.

  Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de 'partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano'. A isso Marx chamou de socialismo.

  O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx, lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital — um legado a favor da humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867.

  'Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério', disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. 'Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20'.

  O autor do novo 'O Capital', nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de 'sociais-éticos' os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de 'selvagem' e 'pecado', e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política.

  'As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo', afirma o arcebispo.

  O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de 'querido homônimo', falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.


 (Frei Betto – escritor, teólogo e filósofo)

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Nem o belo logradouro escapa. Triste fim de uma gestão lastimável!