O ETERNO DÉJÀ VU
"Duas paredes. Nada restou da casa na esquina da 25 de Março com Franklin Távora, além de duas paredes. No entanto, se olharmos bem, é possível enxergar no vazio do terreno alguns poucos vestígios da nossa solene impotência. Feita às escondidas, em dias de pouca movimentação na cidade, a demolição de mais um imóvel em processo de tombamento em Fortaleza deveria nos indignar a todos. Se não pelo que há de vontade de preservação, ao menos pela ousadia dos que rasgam leis.
Desconfio, não será a derradeira vez. Há precedentes. Afinal, terá sido suficiente a punição por multa dada a quem criminosamente botou abaixo a Chácara Flora? Erguida em 1898, a casa com traços europeus foi demolida numa véspera de feriado, em 2011. Ilusoriamente protegida, em virtude do processo de tombamento, parte importante da memória arquitetônica da cidade, antes cravada no Benfica, foi condenada ao desaparecimento. Da mesma forma perdemos a Casa de Rodolfo Teófilo (demolida em 1985), o Centro Artístico Cearense (em 2000) e, mais recentemente, o bangalô de singelo azul da Padre Valdevino, onde funcionou durante 50 anos o colégio Nossa Senhora da Assunção.
A verdade é que são em número diminuto os bens materiais protegidos por lei na capital. Especialmente para o tamanho que julgamos ter. Um exercício factível é listá-los. Entre os que ainda estão de pé - incluindo tombamentos em nível federal, estadual e municipal -, não chegam à casa das sete dezenas. Há outros 48 processos de tombamento provisório em andamento. Quanto da nossa história resistirá à sanha dos tratores, aos cupins, à nossa indiferença? O leitor há de relevar essa preocupação desimportante de quem já cruzou a linha do meio século e se vê distando de referências que nem de longe são prioridade. Ademais, sábados não são dias para pensar nas ruínas da Casa da Câmara da Villa de Arronches e Intendência Municipal da Villa de Porangaba, embora elas estejam a nos espiar."
Maísa Vasconcelos, radialista e jornalista, no O Povo de hoje