"Quinta-feira, 22 de agosto, entra para história como dia em que os insubmissos da cidade dançaram a vida e comemoraram uma vitória contra a arrogância do poder. Como na tradição da Pachamama, dançar a vida é um ato espiritual de ampliação da liberdade, da relação do finito (momento) com o infinito (a história). Além disso, o paraíso pode ser cada momento de felicidade e de prazer a que nos entregamos e nos permitimos viver. Ele é experimentado a cada instante em que nos eternizamos no se perder no outro ou numa causa. Assim, muitos jovens, adultos e velhos experimentaram o paraíso se acorrentado nas árvores do Parque do Cocó, uma causa que uma mentalidade linear não entende, não alcança sua profundidade. A dança dos insubmissos recebeu os aplausos de moradores do entorno e dos transeuntes, mas deixou doente toda uma mentalidade autoritária, deixou rígidos os corpos de políticos conservadores, dos que defendem um modelo de desenvolvimento predatório e de interesseiros que mamam nas tetas dos recursos públicos sem se importar com o bem viver coletivo. Os nossos dominantes, na quinta-feira, não conseguiram comer; o caviar, a lagosta, o camarão, as trutas faziam um bolo na boca e não desciam; não pela crise de consciência de que o cardápio é possibilitado com o abuso do dinheiro publico, mas pelo ódio de ter seus planos adiados por mais uma vez. Nossos dominadores têm ódio de gente que se mobiliza contra a submissão, essas pessoas são tratadas como Zé Ninguém.
O que eles pensam é que são indivíduos que não valem nada, gentalha desprovida de riqueza material, plebeus maconheiros e marginais, como classifica ou já classificou um dos Gomes. Mas ignoram que são pessoas que portam dignidade, que não têm medo e que juntas conseguem mudar o mundo. Gente boa que diz que outra Fortaleza é possível, que demonstra capacidade de formular alternativas, mesmo que o poder tente desqualificar o seu saber, numa atitude de colonialidade do poder. A dança dos insubmissos no Parque do Cocó foi um grito de vitória, uma lição e um aviso aos que, por meio do voto, se locupletam no poder pensando que podem fazer tudo que querem sozinhos. Se quiserem fazer sozinhos, vão morrer sozinhos. E como nossos dominadores não sabem dançar a vida, imaginem o Cid ou Roberto Claudio dançando uma ciranda no Cocó; eles apenas o consomem e sufocam a liberdade dos diferentes. Que, então, seja a dança dos insubmissos contra o poder, a alegria contra a violência."
Uribam Xavier
uribam@ufc.br
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC)FONTE: O Povo