terça-feira, 23 de junho de 2020

UM BOM TEXTO DO MONUMENTAL CÂMARA CASCUDO

PADRE JOÃO MARIA - Luís da Câmara Cascudo

"Hoje, saindo de minhas aulas no Instituto de Música, encontro mulheres rezando ao pé de sua estátua e levando, para remédio, um pouco de grama verde que orla o socalco de seu monumento. A história de sua caridade é a maior tradição católica de Natal. É o santo da cidade, a lenda nas memórias vivas, o brasão que enobrece a paróquia, ornada de seu sacrifí
cio. Ali, no soalho do consistório, dormiu ele muitas noites, no chão, por ter dado a rede. Da primeira janela distribuía quase todo o almoço. Fez 27 quilômetros a pé, andando no areal, para ir confessar uma leprosa. Da cacimba de S. Tomé, diziam, estava aparecendo um fantasma. Meu Pai mandou um soldado vigiar. Pela madrugada um vulto surgiu, de preto, conduzindo um grande pote no ombro. O soldado saltou, e largou-o, num berro de surpresa, quase ajoelhado, beijando-lhe a mão. Era João Maria carregando água para os bexiguentos. Corria todo Natal de pé ou num burrinho vagoroso, espalhando esmolas e orações. Sua malinha levava açúcar, sal, carne de sol, farinha de trigo, maisena, remédios. Ouvia os moribundos e fazia o alimento, curvado sobre as trempes humildes, mexendo o mingau, o caldo, o chá, o café confortador. Carregava lenha. Ia buscar água. Quando a última epidemia de bexigas recuou, num rasto de cadáveres, João Maria caiu. Estava esgotado. Daí em diante foi sua agonia e, ao mesmo tempo, a apoteose.As lendas surgiram depressa e viçosas como flores num terreno propício. O padre fazia milagres,  dava água e esta curava todos os males. Sua capa, esburacada e cinzenta pelas chuvas, sarava feridas. Santificava-o uma existência incrível de abnegação e de tenacidade. O Povo cercou-o, obstinadamente. Um dia consentiu em ver uma parte do rebanho que se comprimia nos alpendres da casa onde ele padecia. Entraram centenas de mulheres e de velhos, de homens e de crianças, compungidos, olhos marejando lágrimas. O padre saudava-os a todos com o mesmo olhar imóvel. Uma velha soluçou, segurando o lenço para disfarçar o pranto.
- Não chore, minha filha, não chore – dizia João Maria. E, num meio sorriso:
- Você já é tão feia sem chorar!...
No próximo 16 de outubro, será o trigésimo aniversário de sua morte. Há trinta anos que ele nos deixou. Seu túmulo, pequenino e ensinador de humildade, não tem uma lápide. Ele bem merecia alguns palmos de mármore com as letras de seu nome bondoso. É para esta lápide que teremos o DIA DA SAUDADE. Um de seus fiéis, Joaquim (ilegível), veio pedir-me que lembrasse a seu povo, aos filhos daqueles que o seguiram, chorando o caixão de João Maria. Não é necessário lembrar. Todos levarão seu olhar para essa homenagem simplíssima.
Da minha parte entregarei o pobre auxílio de pecador para a perpetuidade de seu nome de saudade."

FONTE: A República, Natal, 05 de setembro de 1935.
IMAGEM: Cartão postal, Acervo LUDOVICUS - INSTITUTO CÂMARA CASCUDO.
NOSSA HOMENAGEM PELOS 172 ANOS DE NASCIMENTO DO PADRE JOÃO MARIA (23/jun/1848).
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