12 de ago. de 2011

A saudade do “Chico Guerreiro”

 

Com o título “Chico Guerreiro”, eis artigo assinado por Mário Albuquerque, presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou e conselheiro da Comissão Federal de Anistia (MJ), em tom de homenagem ao querido Francisco Monteiro, o “Chico Paseata”. Monteiro morreu nesta sexta-feira e o enterro ocorrerá às 17 horas, no Cemitério Parque da Paz. Confira: 
   Convivi com o  Chico Monteiro na Casa de Detenção do Recife (PE), onde dei entrada como preso político por volta de junho de 1971 e ele no ano anterior, preso com sua esposa- companheira Helena Serra Azul.  Naqueles tempos pós-AI5, cidadãos brasileiros foram forçados a mudar de cidade para escapar à máquina de tortura e morte da ditadura militar. Muitos se integravam “à produção”, virando operários ou camponeses, os sujeitos da mudança histórica que divisávamos próxima e pela qual todos os sacrifícios valiam a pena. Chico, com Helena, foi um desses.
   Estudantes de Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC), foram pro campo de Pernambuco cortar cana e atuar como fermento para conscientizar e levantar as massas camponesas na derrubada da ditadura. Ambos torturados, o casal despertava carinho, medo e proteção nos presos políticos da Detenção pela juventude, pelo amor que irradiava, pelas famílias no distante Ceará, pelo filho nascido durante a prisão e que Helena criava na penitenciária feminina do Bom Pastor, pois eram tempos inseguros e imprevisíveis.
   Em meio a um ambiente de dor e desolação,  de corpos e almas massacradas pela tortura, Chico mantinha um espírito sempre alegre e brincalhão, bem na tradição da boa “molecagem cearense”, o que amenizava o clima adverso. Junto com o Érico, gaúcho, Chico compunha a comissão de saúde do coletivo dos presos políticos, zelando pela saúde desses, cuja principal atividade consistia diagnosticar diariamente o estado da carne que nos era entregue in natura para nós mesmos cozinharmos, sempre duvidosa, fator de tensão e conflito constantes com a direção do presídio.
   Também junto comigo e mais dois presos políticos, integrava a equipe de futebol de salão do Cruzeiro, do preso comum Adegilson, espécie de Íbis do futebol da prisão, que conseguimos elevar à categoria de melhor time, impondo pela primeira vez uma derrota histórica ao melhor time da cadeia, o Santa Cruz, protegido da direção e carcereiros. Após dois anos, Chico deixou a prisão e só voltaríamos a nos ver com a anistia de 79, seguindo-se às campanhas das Diretas, da Constituinte, e mais recentemente à sua campanha a vereador, da qual fui seu apoiador, e pela reparação econômica aos perseguidos políticos, juntos às comissões de anistia de Pernambuco, Ceará e federal.
   A sua morte nos abala a todos e morremos também um pouco com ele. Mas nada de choro. Antes comemoramos sua vida dedicada ao bom combate pelo Brasil e seu povo.


* Mário Miranda de Albuquerque,
Conselheiro da Comissão Federal de Anistia (Ministério da Justiça)
Presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou.


 (Artigo indicado por Eliton Meneses)

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