sábado, 28 de janeiro de 2012

UM TELEGRAMA PARA O JUVENAL

  "Amados, estimados, idolatrados e tantos outros ados leitores destas mal traçadas linhas.
  - Lá vem este filho d'umá égu...
  - Calma! Calma... Que minha santa mãezinha não é culpada de nada!
  - É que estou vendo logo pelo início destas suas mal traçadas linhas que o assunto é fraco e nem parece ser de sua própria autonomia, como diria aquele personagem de Chico City.
  - Realmente amado leitor, não é por de inteiro de minha autoria o teor destes traçados, dizer-lhos-ei que apenas os arremates sucupiranos saíram desta mente não tão fértil quando gostaria que a mesma fosse. Mas vamos arrematar. Como diria Odorico, deixarei de lado os entrentantos e irei pular direto pros finalmentes:

  O Juvenal era destes caboclos simples, honesto, sem muita pressa por o corre-corre da vida. Vivia de bico, empurrando seu carrinho de pipocas. Mas era um cara satisfeito. O Juvenal, apesar de sonhar com dias glória, gostava mesmo de sua vidinha simples e dela (vida) nunca se ouviu do mesmo uma maledicência sequer. Amava à esposa, a penca de filhos que a falta de televisão lhe proporcionara conceber e mais, principalmente, sua santa mãezinha. Esta que o pusera no mundo. Esta, sim. A causa maior de sua felicidade de viver. Escrevê-la mensalmente era o mais puro exercício de prazer, pois a mesma morava em cidade distante, e mais alegre ficava quando dias depois recebia a resposta em emvelope postado como carta social, onde em letras trêmulas sua genitora lhe deseja paz, saúde e vida boa. Estava atualmente Juvenal passando por grandes dificuldades financeiras há meses... Com a resistência que só os brasileiros têm, o Juvenal foi tentar um emprego e fazer uma entrevista.

  Ao chegar ao escritório, o entrevistador observou que o candidato tinha exatamente o perfil desejado, as virtudes ideais e lhe perguntou:

  - Qual foi seu último salário?

  - Não tinha salário não senhor, vivia de bicos, carrinho de pipopca...

  - Pois se o senhor for contratado, ganhará 10 mil dólares por mês!

  - Jura? Gritou, assustado, Juvenal.

  - Que carro o senhor tem?

  - Na verdade, agora eu só tenho um carrinho pra vender pipoca na rua...

  - Pois se o senhor trabalhar conosco ganhará um Audi A8 para você e uma BMW para sua esposa! Tudo zero!
 
  - Jura? Gritou mais assustado ainda Juvenal.
 
  - O senhor viaja muito para o exterior?

  - Que nada! Do mundinho em que nasci, o lugar mais longe que fui lá na serra da Penaduba, no sítio Urubu, Jurema nos corredores e no serrote do Cigano. É bem verdade que da última vez que me bandeie pelas bandas de Jurema, me perdi e se não fosse uns parentes por lá, teria sido comido pelas onças... Mas já faz bastante tempo isso..

  - Pois se o senhor trabalhar aqui viajará pelo menos 10 vezes por ano para Londres, Paris, Roma, Mônaco, Nova Iorque, etc.

  - Jura? Gritou mais assustado ainda Juvenal. Dessa vez o coração quase não aguenta!!!

  - E lhe digo mais.... O emprego é quase seu. Só não lhe confirmo agora porque tenho que falar com meu gerente. Mas é praticamente garantido. Se até amanhã (6ª feira) à meia-noite o senhor NÃO receber um telegrama nosso cancelando, pode vir trabalhar na segunda-feira, com todas  essas regalias que eu citei. Então já sabe: se NÃO receber telegrama cancelando até à meia-noite de amanhã, o emprego é seu! Juvenal saiu do escritório radiante. Agora era só esperar até a meia-noite da 6ª feira e rezar para que não aparecesse nenhum maldito telegrama.

  Mas como todo brasileiro o Juvenal não era diferente. Não aguentou a ânsia de um dia e resolver festejar antecipado. Não poderia haver sexta-feira mais feliz . E Juvenal reuniu a família e contou as boas-novas. Convocou o bairro todo para uma churrascada comemorativa à base de muita música.

  Sexta de tarde já tinha um barril de chope aberto... Às 9 horas da noite a festa fervia. A
banda tocava, o povo dançava, a bebida rolava solta.

  Dez horas, e a mulher de Juvenal aflita, achava tudo um exagero... A vizinha gostosa, interesseira, já se jogava pro lado do Juvenal. E a banda tocava! E o chope gelado rolava! O povo dançava!
 
  Onze horas, Juvenal já era o rei do bairro. Gastara horrores para o bairro encher a pança.
  Tudo por conta do primeiro salário. E a mulher resignada, meio aflita, meio alegre, meio
boba, meio assustada. Achava tudo aquilo meio precipitado... Mas Juvenal já tinhas tomado umas geladas e nem imaginava que a até a meia noite aquele sonho poderia acabar...

  Às onze horas e cinqüenta e cinco minutos, vira na esquina buzinando feito louco, um cara numa motoca amarela da empresa de correios.  - Puta que pariu!, pensaram todos... Correio!

  A festa parou!

  A banda calou!

  A tuba engasgou!

  Um bêbado arrotou!

  Uma velha peidou!

  Um cachorro uivou!
 
  Meu Deus! E agora? Quem pagaria a conta da festa?

  - Coitado do Juvenal! Era a frase mais ouvida.

  - Joguem água na churrasqueira!

  O chope esquentou!

  A mulher do Juvenal desmaiou!

  A motoca parou!

  O cara desceu e se dirigiu ao Juvenal:
 
  - Senhor Juvenal Batista Romano Barbieri?

  - Si, si, sim, sô, sô, sou eu...

  A multidão não resistiu...

  OOOOOHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!

  E o cara da motoca:

  - Telegrama para o senhor...

  Juvenal não acreditava... Meu Deus do céu... Puta que pariu.... Que merda!!!
 
  Pegou o telegrama, com os olhos cheios d'água, ergueu a cabeça e olhou para todos.

  Silêncio total.

  Não se ouvia sequer uma mosca!

  Juvenal respirou fundo e abriu o envelope do telegrama tremendo, enquanto uma lágrima rolava, molhando o telegrama.

  Olhou de novo para o povo e a consternação era geral.

  Tirou o telegrama do envelope, abriu e começou a ler...

  O povo em silêncio aguardava a notícia e se perguntava:

  - E agora? Quem vai pagar essa festa toda?

  Juvenal recomeçou a ler baixinho um pouco triste, levantou os olhos e olhou mais uma vez para o povo que o encarava...
 
  Alguns minutos de silêncio, Juvenal se refez do baita susto...  Encheu o peito de ar e... e...
então abriu um largo sorriso, deu um berro triunfal ecomeçou a gritar eufórico.

  - Que bom!!!! Foi a mamãe que morreeeeuuu....
Tenho dito... E sempre!!!
"


  (MANUEL DE JESUS)

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 Foto: Aurélio Alves/O Povo