25 de fev. de 2012

EU TINHA MEDOS!

  Nasci e cresci na geração do medo. Medo da onça pintada da Penaduba. Medo das almas penadas (do Raimundo Estopa), vindas do cemitério. Medo dos ladrões que arrombavam casas e matavam os donos, de forma covarde. Medo dos rabos-de-burros, que levavam as moças de nossa casa, para fazer o mal a elas ou assassiná-las. Medo dos doutores, que ameaçavam de degola os nossos pais, caso não votassem em uns senhores que nunca vimos. Medo de abrir os peitos e morrer sangrando, feito animal sangrado, ao carregar as cargas pesadas da farinhada, da moagem ou do corte de cana. Medo até de comer demais. Era pecado! Rapadura com água, nem pensar! Maxixe era coisa perigosa. Tinha enganado até o cão! O bicho teria jogado num rio uns deles, cozidos. Teria corrido pelas margens e caído nas águas muito à frente. Esperava que os mesmos estivessem frios. Quando abocanhou um deles, veio a quentura armazenada! Queimou a boca o coisa ruim, que saiu praguejando contra a novidade dos poucos invernos que apareciam, em meios a grandes e eternas secas. Eu tinha medo de não rezar à noite. Poderia, sem as rezas, receber visitas indigestas. Tinha que, pelo menos fechar o corpo, com um pelo-sinal. Acho que sou filho do medo! Medo do coronel, do homem grande, cheio de poder, que aniquilava pobres! Meu pai chegava a dividir os votos da família, para não desagradar os senhores. Senhores de conversa bonita, discurso empolado. Gente valente, que não suportava do pobre um titubeio. Eu tinha medos, medos,... até de dormir com os pés fora da rede. Poderia vir um malfazejo! Um homem do mau! Meus pais me repassavam medos. Medo da seca, de morrer de fome, sem a ajuda da emergência, sem a ajuda providencial daqueles senhores das fotos de papel cheiroso, que eram jogadas nas ruas de quatro em quatro anos. As fotos apareciam. Eles nunca! Um deles, segundo meu pai, era major do Exército! Eu ouvia os relatos do meu pai, com medo de uma espada inexistente, que poderia vir a me acabar e levar meus pais juntos. Eu tinha medo do homem do banco, que ameaça meu pai. Meu pai tinha pequenas dívidas com o banco, coisa miúda, mas o sujeito (um cachaceiro incontrolável) ameaçava, perseguia, apesar do carneiro gordo que o meu pai sempre o entregava. Mas o sujeito era insaciável! Eu tinha medo. Medos eu tinha. Sou filho do medo!

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AV. BEIRA MAR NO ABANDONO

Nem o belo logradouro escapa. Triste fim de uma gestão lastimável!