"De que mulheres trata o Dia da Mulher? Da velha empregada doméstica que a família preza como parente, para camuflar a sonegação de seus direitos trabalhistas, a falta de carteira assinada, de férias regulares e salário digno? É também o dia das babás, a quem é negado o direito de estudar, se aprimorar profissionalmente, e exigido afeto aos bebês da família? Quem se lembra das mulheres chefes de família, largadas à deriva por seus maridos, obrigadas à dupla jornada de trabalho? Metade da humanidade são mulheres. A outra metade, filhos de mulheres. Bilhões de mulheres prosseguem submetidas ao machismo irreverente, proibidas de dirigir carros em alguns países árabes, obrigadas a suportar a poligamia em clãs africanos, forçadas à infibulação (castração feminina) em culturas fundamentalistas, menosprezadas ao nascer na China patriarcal. Pobre Ocidente que, do alto de sua arrogância, mira tais práticas como se aqui as mulheres tivessem alcançado a emancipação. É verdade, multiplica-se o número de mulheres chefes de Estado ou de Governo, como, atualmente, Dilma Rousseff (Brasil); Cristina Kirchner (Argentina); Laura Chinchilla (Costa Rica); Ângela Merkel (Alemanha); Tarja Halonen (Finlândia); Pratibha Patil (Índia); Dália Grybauskaité (Lituânia); Eveline Schlumpf (Suíça); Ellen Sirleaf (Libéria); e Sheikh Hasina (Bangladesh). Não olhemos, porém, apenas para o alto. 'Mirem-se nas mulheres de Atenas', sugere Chico Buarque. (...). Há que mirar em volta: mulheres como isca de consumo, adornando carros e bebidas alcoólicas. Mulheres no açougue virtual da chanchada internáutica e nas capas de revistas que cobrem as bancas de jornais, a exibir, como vacas em exposição pecuária, seus atributos físicos anabolizados cirurgicamente. Milhões de mulheres tentado curar sua frustração, via medicamentos e terapias, por não corresponderem aos padrões vigentes de beleza. Mulheres recauchutadas, anoréxicas, siliconizadas, em luta perene contra rugas e gorduras que o tempo, implacável, imprime a seus corpos. São as gatas borralheiras, sempre a fugir da hora em que a velhice bate à porta, tornando-as menos atrativas aos olhos masculinos. Sim, há que comemorar mulheres que não foram ricas de imbecilidade nem se expuseram na vitrine eletrônica do voyeurismo televisivo. Refiro-me à Judite, que derrotou o general Holofernes; Maria, que exaltou os pobres, despediu os ricos de mãos vazias e gerou Jesus.
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