22 de abr. de 2012

FOME DE ÂNSIA


  Um velhote, enfraquecido pelas farras e gulas dos tempos de juventude, compensadas na vida devotada de operário, chefe de família e campeão das horas extras, perde-se agora no que fazer depois da aposentadoria. Viúvo e sozinho... Todas as manhãs, em rotina ritual, larga cedo a rede. O sono é leve e curto, não lhe cobra como antes. Pega a bengala, já lustrada pela oleosidade de sua mão. Com a mesma roupa que dormira e sem café, ou frescura, sai a caminhar num típico trajeto.

  Passadas largas, olhar solto, enquanto a bengala tateia o chão. Sente-se ali forte, entretido em pensamentos, sobretudo saudosismos das proezas pretéritas e inseguranças quanto ao futuro vindouro.

  Na madruga, poucos são os olhares incriminatórios ou esnobes. Os transeuntes, todos conhecidos, o cumprimentam. Puxam, por vezes, um dedinho de prosa. Depositam-lhe umas moedinhas de atenção. Surgem motivos pra sonoras e graves gargalhadas. Alívio e agrado!

  Ao voltar pra casa, encontra de novo a velha, e já não tão cheirosa, guerreira rede. Deita-se. Põe-se a balançar. Uma manhã de olhares para as telhas, encarando-as de frente, de um modo tal qual não chega a encarar dívidas consigo.

  O tédio corrói... Sua companheira é a falta de sentido e propósito. Suas mães, as mágoas e culpas, o esquecimento. A vida termina antes de findar, vazias as possibilidades pela cega vista do tedioso.

  A rotina se segue. O tempo passa. Acena pro tempo passando, expectador.

  (Benedito Gomes Rodrigues)

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