Um velhote, enfraquecido pelas farras e
gulas dos tempos de juventude, compensadas na vida devotada de operário, chefe
de família e campeão das horas extras, perde-se agora no que fazer depois da
aposentadoria. Viúvo e sozinho... Todas as manhãs, em rotina ritual, larga cedo
a rede. O sono é leve e curto, não lhe cobra como antes. Pega a bengala, já
lustrada pela oleosidade de sua mão. Com a mesma roupa que dormira e sem café,
ou frescura, sai a caminhar num típico trajeto.
Passadas largas, olhar solto, enquanto a
bengala tateia o chão. Sente-se ali forte, entretido em pensamentos, sobretudo
saudosismos das proezas pretéritas e inseguranças quanto ao futuro vindouro.
Na madruga, poucos são os olhares
incriminatórios ou esnobes. Os transeuntes, todos conhecidos, o cumprimentam.
Puxam, por vezes, um dedinho de prosa. Depositam-lhe umas moedinhas de atenção.
Surgem motivos pra sonoras e graves gargalhadas. Alívio e agrado!
Ao voltar pra casa, encontra de novo a
velha, e já não tão cheirosa, guerreira rede. Deita-se. Põe-se a balançar. Uma
manhã de olhares para as telhas, encarando-as de frente, de um modo tal qual
não chega a encarar dívidas consigo.
O tédio corrói... Sua companheira é a falta
de sentido e propósito. Suas mães, as mágoas e culpas, o esquecimento. A vida
termina antes de findar, vazias as possibilidades pela cega vista do tedioso.
A rotina se segue. O tempo passa. Acena pro
tempo passando, expectador.
(Benedito Gomes Rodrigues)
Nenhum comentário:
Postar um comentário