"Às
tardes, praticamente toda semana, ouvia ritmadas batidas no portão lá de casa.
Um senhor moreno, de pele tão ressecada que chegava a brilhar, calçado com o
familiar par de sandálias havaianas, parcialmente protegido do sol pelo
inseparável e sempre soado chapéu de palha, e as mangas longas arregaçadas à
altura dos cotovelos, batia a bengala, como que numa música ritual, insistente.
Era meu avô, chamando-nos ao seu encontro para um momento de prosas e alegres
gargalhadas, daquelas dum jeito que não consigo esquecer, típicas dele: soltas,
descompromissadas, como se abraçassem a alma através dos ouvidos. Havia
cada história... Histórias de luta, de dor, como também de conquista e de fé. Um
homem do povo, exemplar! O velho
carpinteiro e agricultor de mão calejada e pé rachado pela quentura dos torrões
da caatinga, humilde ar, dava-nos uma graça. Mal sabia eu o seu valor... Pobre
moleque, ignorante, apenas o acompanhava e a meu pai, por vezes, ainda, dando
uma de enxerido, cutucando a conversa... Recebia um ou outro puxão de orelha
verbal ('ora, mais menino!'), como represália, ou mesmo provocando riso, em razão
do besteirol.
Vejo,
hoje, porém, as tardes chegarem e se esvaírem e o portão continuar silencioso.
Dá-me um aperto no peito! Quão bom seria tê-lo novamente conosco, sentado na
cadeira num canto reservado da sala, tal qual outrora. Foi-se, entretanto sua
lembrança ainda se faz presente e o vitaliza para mim, muita embora a falta não
finde."
(Benedito
Gomes Rodrigues)
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