"Durante a última campanha eleitoral falou-se muito da educação
escolar pública, mas nem sempre de uma maneira adequada. O que importa é
um diagnóstico preciso dos reais entraves da qualidade da aprendizagem
para poder-se aplicar políticas eficazes e eficientes. De norte a sul do
Brasil, passando por Fortaleza, os candidatos tiraram da cartola uma
solução única (panaceia?): a escola de tempo integral. Não serei eu quem
irá falar mal da escola de tempo escolar, já que, há 20 anos, aponto-a,
neste espaço, como possível solução. Mas anteriormente à sua
implantação é preciso convencer-se que, como escreveu Gustavo Ioschpe na
revista Veja de 10 de outubro passado: 'Quantidade não é qualidade. O
problema maior de nossas escolas não é que a jornada regulamentar não
seja longa o suficiente e sim que ela não seja cumprida'. O autor cita
uma pesquisa que mostrou que 22% das aulas eram canceladas (o que
significa a perda de um dia por semana) e que algo entre 29% e 39% do
tempo de aula é desperdiçado com atividades que não têm relação com o
ensino.
O problema não é novo e há tempo foi
detectado; escrevi muitos artigos sobre o assunto, pregando no deserto.
Certa vez, um técnico da Secretária de Educação do Estado gritou,
exasperado: 'Seria uma revolução na educação pública se as escolas
ensinassem (sim, ensinassem) quatro horas por dia, 200 dias por ano!'.
Observar a Lei causaria uma revolução! Numa reunião com 56 diretoras de
escolas municipais de um município da Grande Fortaleza foi afirmado que
nas escolas do município não havia duas horas de ensino efetivo por dia.
Esse é a causa número um da baixa aprendizagem na escola pública. A
essa se juntam outras causas conhecidas e a falta de profissionalismo na
gestão das escolas, as festas, os atrasos, as faltas e os baixíssimos
salários dos professores constam entre as causas do tempo escolar
perdido. Mas é preciso aceitar o óbvio: na escola pública aprende-se
pouco porque se ensina pouco. Constato isso recorrentemente e agora
Gustavo Ioschpe confirma o fato em escala nacional por meio de sólidas
pesquisas. O autor esclarece: 'Antes de ampliarem a jornada, portanto,
nossos gestores deveriam se empenhar para que o longo calendário atual
seja cumprido'.
Nada, portanto, que o tempo integral não possa
melhorar, mas tem que se assegurar que o tempo integral ajudará a
cumprir pelo menos quatro horas 'de ensino das competências nas áreas de
matemática, português e ciência, que possibilitarão ao aluno pobre ter
um futuro melhor'. O tempo integral é benéfico para permitir aos pais e,
sobretudo, às mães de famílias trabalharem. É benéfico também para
permitir uma formação integral, introduzindo esportes e artes no
dia-a-dia escolar. Mas se não possibilitar um ensino de quatro hora/dia,
200 dias/ano será um gasto de dinheiro e de energia de pouca valia.
Felizmente, o Ceará tem escolas profissionalizantes e de ensino
fundamental (por exemplo, escolas do município do Eusébio) de tempo
integral que, avaliadas, podem orientar uma vitoriosa implantação do
tempo integral.
André Haguette
haguette@superig.com.br
Sociólogo, no O Povo de hoje
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