24 de jan. de 2013

RETROCESSO

  "O espetáculo e a peste

   A virtude do príncipe é saber qual o momento, a situação e o contexto convenientes para distrair o povo com festas e espetáculos.
  Perguntam-me se não há pessoas próximas ao governador Cid Gomes capazes de apontar a inconveniência que pode estar contida em determinadas decisões. Não sei responder. A pergunta referia-se especificamente à contratação de um show de Ivete Sangalo para inaugurar um hospital. A entrega de um equipamento de saúde remete muito mais ao comedimento que ao êxtase. Um hospital relaciona-se com o comportamento sóbrio. O silêncio, a brandura e a temperança. Seus corredores remetem ao sofrimento e à dor de pacientes e familiares. Uma aflição incompatível com o furor extravagante do show. O problema vai além da impropriedade. O que Cid Gomes parece não compreender é que muitos se chocam com o que pode ser considerado um escárnio. No mesmo dia do show, o noticiário mostrava o amontoado de leitos improvisados em uma ala do Hospital Geral de Fortaleza.
  Sou de um tempo em que se inaugurava hospital com a bênção de um padre e umas orações dirigidas à Nossa Senhora dos Aflitos. O de Sobral, pela dimensão do equipamento, merecia a benção do bispo e a fala do pastor. Dizem que Cid Gomes é um bom leitor do clássico de Maquiavel. No Capítulo XXI de 'O Príncipe', Maquiavel fala sobre 'O que convém a um Príncipe para ser estimado'. Há um trecho específico sobre o circo que se oferece ao povo: 'Ademais, deve (o Príncipe), nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos'.
  Atentem para o 'nas épocas convenientes do ano'. Sim, o Príncipe de Maquiavel é repleto de ponderações e sabedoria. A virtude do Príncipe é saber qual o momento, a situação e o contexto convenientes para distrair o povo com festas e espetáculos, para que seu ato não aparente se assemelhar ao desdém.

  O gosto de Cid Gomes pelos shows públicos vem de seus tempos como prefeito de Sobral. Naquele tempo, perguntado sobre isso respondeu, sem pestanejar, que o povo precisava de 'pão e circo'. Na época, a frase não deixou de causar polêmica.

  Portanto, é esse o seu entendimento. Tanto que ao tratar do show de Ivete Sangalo respondeu na mesma linha de seus tempos sobralenses, acrescentando um pouco mais de, digamos, requinte ao pensamento: 'Ricos é que questionam essas coisas, mas o povo precisa de saúde, educação e também de diversão'.

  Mas, voltando à questão colocada no primeiro parágrafo, os nossos governantes são sábios o suficiente para consultar os que lhes rodeiam? E mais importante: eles se preocupam em se rodear de sábios? Maquiavel também tratou disso no Capítulo XXIII ('Como se afastam os aduladores').

  'Um príncipe prudente deve proceder... escolhendo em seu Estado homens sábios e somente a eles deve dar a liberdade de falar-lhe a verdade daquilo que ele pergunte e nada mais. Deve consultá-los sobre todos os assuntos e ouvir as suas opiniões; depois, deliberar por si, a seu modo, e, com estes conselhos e com cada um deles, portar-se de forma que todos compreendam que quanto mais livremente falarem, tanto mais facilmente serão aceitas suas opiniões'.

  Em nossas cortes não há príncipes em busca de sábios e nem sábios dispostos a dizerem a verdade aos príncipes. Estes preferem sempre os aduladores 'os quais as cortes estão repletas, dado que os homens se comprazem tanto nas suas coisas próprias e de tal modo se iludem, que com dificuldade se defendem desta peste'."

 (Fábio Campos, no O Povo)

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