quarta-feira, 15 de maio de 2013

UM ARTIGO DE FÔLEGO... NESSES TEMPOS DE ARIDEZ CULTURAL!

  Yuri Firmeza
  ESPECIAL PARA O POVO  Ao adentrarmos no McDonalds vemos, estampado em uma parede, o retrato de um funcionário que se sobrelevou naquele mês. O destaque inscreve, mais do que uma imagem, o rosto do vencedor. A meta foi alcançada, o herói satisfez seu patrão e o lisonjeio o enche de orgulho. Este procedimento, da promoção salarial por mérito, produz competitividade e garante, de maneira perversa, que o bom funcionamento da empresa esteja diretamente vinculado ao desejo de destaque de seus empregados. Ademais, a rivalidade é o motor desenfreado nas relações com os outros e consigo.
  Tendo como base esta lógica empresarial, predominante no capitalismo cognitivo, a edição 2013 do Salão de Abril incita a competitividade através de uma ação marqueteira.

  O Salão, que retrocede a cada edição, tenta desta vez ressuscitar o seu corpo agonizante através do prêmio de 70 mil reais conferido a um único artista – o funcionário premiado. Este é o slogan publicitário do Salão que tem como álibi a cristalizada assertiva de ser o mais antigo Salão do País. Mais grave do que este equívoco histórico é a afirmação, veiculada no site do Salão de Abril e reiterada por diversas vozes, de que trata-se do “principal evento de artes plásticas do Ceará”. O principal ou um dos poucos promovidos por uma Secretaria sucateada e negligente?

  No entanto, a frase é bem formulada pois a operação é a mesma de um evento. Evento espetaculoso em total disparidade e descaso com a produção dos artistas em Fortaleza. Evento volátil que não cria pertencimento com a cidade – a não ser pela sua mera reincidência apática ano após ano. Evento que não deixa lastros e que para cumprir agenda precisa ser feito às pressas antes que o mês de Abril definhe – pensemos no prazo diminuto que foi dado ao curador desta edição do Salão de Abril, Ricardo Resende, para que apresentasse uma curadoria tirada da cartola. Não é possível desenvolver pesquisa curatorial com prazos exíguos que não permitem que o curador se debruce sobre a produção da cidade. Do mesmo modo que não é possível que curadores e artistas continuem aceitando estas condições descabidas de trabalho. Em suma, evento que não agrega, mas tenta desastrosamente maquiar a falta de políticas públicas que assola a cidade. Mas parte dos empregados da arte já começam a tirar seus velhos projetos empoeirados, esquecidos em seus baús, e almejam, agora, serem o funcionário do mês.

  Não haverá surpresa se este for o Salão mais concorrido em sua história. E não haverá espanto se isto for massivamente veiculado como uma conquista, pois é o mecanismo quantitativo, os números e os recordes que pautam a pertinência destes eventos.

  É preciso lembrar que esta edição do Salão está ocorrendo majoritariamente com o patrocínio do Banco do Nordeste e que sem esse patrocínio seria inviável a sua realização. Nem a verba de 70 mil reais concentrados a um artista e nem mesmo a realização do “principal evento...” estavam na rubrica da prefeitura.

  Enquanto isso, à revelia das políticas públicas inexistentes na cidade (por mais paradoxal que seja esta frase), artistas inauguram espaços e produzem pensamento a partir e com Fortaleza, em total assimetria com o ranço colonialista alencarino (que não é um mérito nosso, pois existe igualmente em cada cidade do Brasil, em menor ou maior escala). Em Fortaleza, a Milu Vilela tem outros nomes, mas a operação de poderio é semelhante.

  O montante investido neste antigo Salão – que mais do que antigo é velho, mofado e caduco em seu formato e anseios – poderia facilmente ser investido em uma série de ações que se desdobrariam ao longo do tempo. Ao invés de um evento espetaculoso, pontual e passageiro, uma ação continuada, processual e formativa.

  Visivelmente a cultura está sendo tratada nos moldes do mercado transnacional. O que esperar senão Big Macs, o rosto do funcionário do mês e sua “obra de arte” escancarados nas páginas de algum jornal?

  O Salão moribundo não pode nem mesmo descansar em paz, pois é através dele que uma tacanha rede de politiqueiros mantêm seus rostos em visibilidade nos cargos que ocupam há tanto tempo quanto a existência do Salão.

  Mas atentem-se, de tão velhas as coisas apodrecem.

  Yuri Firmeza é artista visual e professor do curso de Cinema e Audiovisual, da Universidade Federal do Ceará.

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