O poder dos bocós
07/12/2013 (no O Povo)
DEMITRI TÚLIO
Pode ser que não, mas vejam que estranho. Há dois sábados, dia 23 de novembro, fui convidado pela ONG Mediações de Saberes para ciceronear um percurso urbano pela floresta do Cocó. Trecho que se desenha no quadrado Sebastião de Abreu, Washington Soares, Engenheiro Santana Júnior e Padre Antonio Tomás.
Trazidas pelo sociólogo Júlio Lira, pelo menos 30 pessoas se juntaram para caminhar e ouvir histórias sobre a floresta a partir de uma jornada pessoal (e jornalística) que iniciei no Cocó há quatro anos.
Desde 2009, fotografo a mata atrás de perceber essa cidade que nos é invisível e foi sendo acuada pela urbanização. Empreitada que não considera outras possibilidades além dos homens. Botei na cabeça que precisava conhecer quem me habitava ali. Para além de ir e vir nas trilhas, carecia compreender seus ciclos para poder respeitá-los.
Pois bem. Após meia hora de caminhada e prosa, por volta das 16 horas, na altura da primeira lagoa de passagem, fomos surpreendidos por um helicóptero do Ciopaer que resolveu flutuar sobre nossas cabeças. Num trecho onde eu apontava existir um borboletário natural, apesar da vegetação estorricada de sol.
Invasiva, a aeronave da Secretaria da Segurança Pública do Ceará interrompeu a conversa e um militar passou a filmar o que fazíamos no “parque”. Foram pelo menos sete minutos de aporrinhação, barulho e uma poeira fina que se levantou por causa das hélices do “mané-mago” de ferro.
Que desperdício, minha nossa! Perder tempo, combustível pago com dinheiro público e uma composição de policiais militares para bisbilhotar o que um grupo de cidadãos fazia na floresta que virou o calo da Prefeitura de Fortaleza e governo do Estado.
Provavelmente, imaginavam que estava sendo tramada, ali, um plano infalível do Cebolinha para sabotar a construção caduca de dois viadutos. Certeza, anotem no relatório sigiloso de vocês, a maior parte dos que foram conhecer as intimidades da floresta se disse contrária a obra que sumiu com um pedaço da mata.
Falar em inteligência, o Ciopaer, a Casa Militar e o Governo do Estado poderiam usar de métodos mais sutis para vigiar cidadãos de folha corrida limpa. Era público o encontro. Deu no O POVO, na coluna do Eliomar de Lima (Vertical), que haveria o percurso urbano no Cocó. Qualquer pessoa poderia ir.
Então, em vez de um helicóptero nada discreto e um policial filmando descaradamente, poderiam ter infiltrado um PM à paisana entre os caminhantes. Ninguém saberia. De preferência uma policial. Misturada aos civis, ela poderia registrar, com câmera ou celular, as conversas sobre borboletas, ninhais, movimento das águas, temporada das secas e ciclos da floresta.
A vontade que tenho é de escrever um palavrão. Mas não. Façamos assim, hoje é sábado, vou retribuir a descortês alcovitagem com Almir Sater e Renato Teixeira. É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz para poder seguir, é preciso chuva pra poder florir... Cada um de nós compõe a sua história. E cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz...
Fica um convite: se desejarem, prefeito e governador, levo-os para finalmente conhecerem as manhas, as maçãs e as manhãs do Cocó. Quem sabe não se permitem novos olhares.
Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das massas e das maçãs...
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