10 de jan. de 2015

COMBOIO DE HISTÓRIAS

  Um comboieiro passava na rua do Santo Antônio, rumo ao Riachão, pra vender roscas, palmas e esquecidos. Os animais em tropel faziam a poeira subir. Aquela zoava me arrastava pra rua pra ver a arrumação. E lá iam eles. Depois de um certo tempo, dobravam a velha estrada carroçável e sumiam nas curvas. Voltavam no outro dia à tarde, com outras coisas pra vender e comer. Da região de Cruz, Acaraú, Senador Sá,... chegava sempre um compadre do meu pai. Ia pra casa, nos arredores da rua, depois de acenar pra bodega. Já era tarde, estava cansado. Os animais, também. No outro dia, de manhã, ele chegava. Cheio de mercadorias e novidades. Contava histórias e mais histórias que eu ia ouvindo calado, como em estivesse em frente a um padre em oração. Aquelas histórias me embalavam. Me faziam correr as ribeiras do Acaraú, sem que eu soubesse nem pra que rumo ficavam. E, enquanto contava história e entrava pela perna do pinto e saia pena perna do pato, como diria José Lins do Rego, mostrava seus produtos, seu peixe cheiroso, sua farinha da praia,... E você pensa que as histórias terminavam ali? Os produtos se acabavam. Eram todos mostrados. Depois tinha a negociação, a resmungueira por preço menor, a paga,... Enquanto isso, as histórias iam sendo desfiadas. E o comboieiro narrava tudo de um jeito tão interessante, que a gente não cansava de ouvir. Se chegasse a hora do almoço, passava a fome, a gente se via ali, teso, ouvindo as nedotas todas, sem querer arredar o pé. E aquilo entrava pela tarde. Depois de muito forçar, meu pai via o velho embicar uma danada. A aguardente parece que lavava o peito do velho e fazia nascer nele um espírito de andarilho universal. E tome histórias das beiras de praia, de mulheres malvadas que judiavam dos maridos, de lindas moças que sofriam nas mãos dos rabos-de-burro, de velhas rezadeiras que levantavam defuntos, de pescadores danados, que enfrentavam os terríveis bichos do mar, de ondas que engoliam jangadas e todos os seus,... Histórias e histórias de um tempo que se foi... 

Um comentário:

Lulu Silva disse...

Perfeito! Além dos comboieiros haviam os "tangerinos", que negociavam e levavam o gado das fazendas até os pontos de embarque!

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AV. BEIRA MAR NO ABANDONO

Nem o belo logradouro escapa. Triste fim de uma gestão lastimável!