domingo, 31 de janeiro de 2016

O NOSSO DESEJO ALDEOTA

  "A gente vai se aldeotizando. Esse desejo simbólico de melhorar de vida e deixar a casa mais ou menos, no bairro onde os ônibus só andam lotados, e ir morar da Santos Dumont pra dentro. Há problema nisso? Quem disse? Mas vi, quando deixamos o subúrbio, dificilmente queríamos fazer o caminho de volta. Quando muito, passamos a defendê-lo ou enxergá-lo como lugar do extraordinário, das experiências admiráveis, que podem virar um vídeo ou ensaio fotográfico. Talvez porque ainda achemos coisa do outro mundo, e há um amargor de inveja, a filha da empregada doméstica ter passado na Arquitetura ou na Medicina da UFC. A aldeotização faz do caminhar da gente um quadrado na cidade. Mundinho cu de pinto entre a Universidade, no Benfica, e o corredor da 13 de Maio, que ruma pra Pontes Vieira... Até o Cocó/Unifor e um desenho esquadrinhando - uma fronteira à Beira Mar e rabisca e -, no máximo, até o limite da Avenida do Imperador com a 13 de Maio (na peinha do Benfica, por trás da faculdade de Arquitetura e volver). Vivemos por aqui. Nos relacionamos por aqui. Pulamos o nosso pré-carnaval por estas bandas e andamos com nossas bicicletas pelas ciclofaixas oferecidas nesse particular trajeto que não se conecta à periferia. Antigamente me iludia com a conversa fiada que só os arrumadinhos da medicina se aldeotizavam. Uma besteira. Se a maioria deles havia nascido na Aldeota, por que trocariam um consultório na Dom Luiz pelo Bom Jardim. Never! (...) do mesmo naipe são os revolucionários do Jornalismo e da Arquitetura. Das engenharias, da Psicologia, da Odontologia, do Direito... E olhe que no São Miguel há mais ruas precisando ir e vir, mais cáries pra obturar e mais gente carecendo de um doutor 'adevogado'... A gente quer se aldeotizar e pronto. Sim, é legítimo tomar Jack Daniel's. Vestir-se de Prada. Pagar um valet para estacionar o carrão na rampa pra deficientes (Isso não é legal!)... Quem é que não quer a aldeotização da Vila Velha? Melhor que cinco UPAs... Que uma romântica ciclofaixa pintada de giz... Que um terminal de ônibus entupido... Que uma chacina... Que uma paz às avessas, permitida pelo tráfico... A gente vai se aldeotizando porque nessas áreas, neguim não é parado pelo Ronda nem é executado antes dos 18... É onde se vende o bagulho, onde se puxa o Corolla e se espreita um iPhone 6s... E o resto da Cidade? Ah, um dia ela invadirá a Aldeota.
  DEMITRI TÚLIO, repórter especial e cronista do O POVO

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