"AS VELHAS do MUCURIPE
É um lugar onde de vez em quando vou.
Não sei por que, mas vou. Gosto do nome e das velas... e até simpatizo com a decadência perene do lugar. (...) o por do sol é impagável. Num dos bancos (vi) duas senhoras, bem idosas a conversar. Sentei perto (delas) o suficiente para ouvir o que falavam; elas perceberam, mas continuaram. A mais falante também aparentava mais idade; a de olhos (mais) vivazes, afirmou: 'Não desisto, quero um homem que me queira de verdade'. A outra, visivelmente cansada de guerra, replicou entre cruel e desiludida: 'Tu não se envergonha? Velha desse jeito (e ainda) a pensar numa coisa dessas? Tá vendo que não dá mais?' A outra reagiu ergueu os (...) olhos e deu a tréplica: 'Velha és tu, que não sente nada quando um homem gostoso passa. Dá licença, mas eu sinto!'. Normal, disse a outra, desanimada: 'De que vale sentir qualquer coisa se ele, no máximo, vai te enxergar como uma avó. Vai te aquietar!'. A de olhos de lince, mordaz, reagiu incomodada e findou a conversa com uma pá de cal: 'Sabe quem é a velha aqui? Tu, que perdeu a capacidade de fantasiar e de querer. Enquanto eu continuar a desejar um homem poderei chamar de velhas as que pararam no tempo, achando que velha sou eu!'. E saiu em lentos passos; atravessou a Avenida Beira-Mar com o sol se pondo e desapareceu no lusco-fusco. A outra deu de ombros, em ensurdecedor silêncio. Eu fui embora logo depois com uma antiga canção na mente: 'Silence is Golden/but my eyes still see.'"
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