sábado, 30 de setembro de 2017

UMA NARRATIVA

"CANTIGAS
Lá em casa (...) tivemos uma empregada que cantava assim: 'Cabo da vassoura cai/ Deixa cair/ Cabo da vassoura cai/ Moreninha/ Casa não se barre mais!'. E não acabava mais, em razão dos infinitos improvisos, que até hoje não se sabe de onde ela tirava. Chamava-se Moçavina; ninguém sabia sua idade, nem onde nasceu. Minha mãe se dava bem com ela (...); as duas se davam bem. Nossa casa era enorme e tinha um galpão coberto de telhas de zinco. Minha santa mãe adorava pássaros e bichos os mais diversos. Ela conversava com todos eles, como se fossem gente e cuidava deles com muito carinho, sobretudo os papagaios, com quem (também) conversava. Meu amado pai, homem de talento e de vergonha, chegava do Mercado Velho (...) carregando um enorme surubim, peixe de 200 quilos – hoje não existe mais; e dava um trabalho dos diabos até chegar à mesa para o refinado almoço da tropa. A sobremesa era bem diversa, comandadas pelas mangas maravilhosas, colhidas à mão. Lá fora a trovoada de bem-te-vis, rolinhas, pipiras, sabiás, juritis e o que se possa imaginar, sob o comando de papagaios faladores, alegres, barulhentos. Tinha até um veadinho que rasgava as roupas estendidas ao sol eterno de Teresina, a capital do Piauí; raios e trovões assustadores. O calor era tamanho que as formigas andavam de tamanco e, como ainda se diz, o urubu voa com uma asa e se abana com a outra. Dá pra recitar Casimiro de Abreu em 'Meus 8 anos', que uma vez eu ouvi meu pai chorando, enquanto lia os versos imortais do poeta imortal que a tuberculose levou aos 21 anos. Como diria Ataulfo Aires: - A gente era feliz e não sabia!"
Hélio Passos, jornalista

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