sábado, 11 de novembro de 2017

O DIA EM QUE A PENADUBA RESOLVEU FALAR...

(Uma proposta de texto teatral)
E a velha serra abriu quase meia légua de boca e relatou pra si mesma:
- (Pensativa) Se alguém me ouvisse diria que já vi muita coisa em cima desse chão em todos esses anos... Vi de tudo um pouco e muito mais!
(Coçando queixo) Já vi uns poucos aconguaçus que viviam aqui ao meu redor. Caçavam, pescavam, coletavam... Comiam de raiz a tudo da terra. Viviam numa paz sem fim!
Vi retirantes das grandes secas passar por aqui, arrastando pouco mais ou nada. Meio cambaleantes, partiam rumo ao Maranhão ou ao... sabe Deus!
(Com ar professoral) Eh, vi animais arquejar e morrer, esticando as canelas, sem ajuda de ninguém. Passavam de animadores do tempo a animadores das terras celestes!
Vi rios, riachos e grotilhões animados na inverneira e estorricados nos tempos de seca. O pior tempo? O dos três setes. Oh, tempos brabos!
(Com o dedo em riste) Vi ricos metidos a besta esticar cerca por aqui, encurralando terras e sonhos alheios. Gente sem coração... Ou com uma rocha grande no lugar dele!
(Olhando pro céu) Vi tempos ruins e bons. De fartura e belezura. E de inclemência e... indecência. Assisti muitos governos ruins, maus, de matar, esquartejar e mandar esticar o couro com grandes varas.
Vi muita coisa. Vi pouca coisa. Pouca coisa boa pra contar. Vi muita ruindade, em corações de ódio represado. 
(Batendo no peito) Vi gente desprezada, como eu, aqui assistindo tudo, sem que ninguém me desse valor. Só os pobres que daqui tiravam o peba, o tatu, o guaxela, o gato do mato...
Vi o mundo se formatar e... desandar. Nos tempos brabos, fiz e assistir a caretas. Caretas de passadio ruim e fome!
(Olhando pros lados) Se eu fosse contar minha história toda, ia ter choro sem fim. Lembranças ruins é o que não falta em mim. Sofri muito e vi muita gente sofrer. Mas depois conto mais coisas... Pra quem mesmo? Sei lá!

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 Foto: Aurélio Alves/O Povo