3 de nov. de 2017

O DIA EM QUE VENDI UM PEDAÇO DA MINHA NUDEZ

Publicado no Portal Ubaúna (em 2009):
"Um dia estávamos eu e dois pareceiros num dos poços (do Carro) do rio Coreaú. Pescávamos com anzóis e tarrafa. Apareceram por lá uns senhores filhos de Coreaú, mas que moravam fora. Dava pra ver pelas roupas caras que usavam e pela cara de quem comia bem. Depois de pilheriar um pouco, fizeram a proposta: nos dar uns trocados pra gente "descer as calças e mostrar os documentos!". Titubeei. Um dos companheiros, talvez mais precisado, balançou-se todo; o outro foi junto. A malícia dos endinheirados me fez cair na esparrela. Descemos as bermudas surradas e os engraçadinhos clicaram nossas penugens de frangotes. Sumiram, rindo entredentes. Passados uns dias (tinha guardado o dinheiro. Queria uns quinaipos), tive uma notícia aterrorizante: um monóculo corria as ruas de Coreaú. Homens e mulheres olhavam nossas fotos e riam seu riso desalmado. Deu-me uma dor terrível no coração. Temia a galhofa atrevida das ruas, temia meus pais, temia a Deus e até o inexistente. Me arrependi de tudo. Queria entregar aqueles couros da rato e esquecer o refresco de quissuco, que tomaria com o troco do calçado. Quase morro de vergonha, enfurnado no boteco que meu pai mantinha na Rua de Baixo. Com ir às ruas, como arrumar um chamego, quem ia me querer?! Sentia-me um traste desavergonhado... O tempo passou e o 'inimigo', sobrinho dos tais homens homens de dinheiro (que andava com as fotos pelas ruas da cidade), esqueceu um pouco a galhofaria. Cansou de curtir com nossa magreza e ingenuidade... Demorei muito a aceitar que era gente capaz de arrumar um namoro!"

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Nem o belo logradouro escapa. Triste fim de uma gestão lastimável!