19 de jun. de 2011

A MISÉRIA DA LEI


 "Cabe conhecer o sistema de educação cearense antes de criticar a greve dos professores ou fazer a apologia da história de um fracasso no qual o Ceará é um dos líderes, conforme estatísticas oficiais. Vão prender os especialistas que apontam o real desastre da educação pública no País?

 O pensamento não tem ego nem superego; não acha que, mas é da ordem do saber. O real é mais forte que a opinião, nutrida pela culpa e piedade. Coitados dos alunos! Vão ficar com fome! Pobres, vão perder o ano!


Jogar lama na cara dos professores, tentar humilhar, destruir psicologicamente os bombeiros em greve, atesta a reação de um poder político iletrado, habituado à prática de violência 'legítima' em detrimento da vontade de mutação salarial, ética e social dos trabalhadores.


 Não se percebe que o Brasil ainda não aderiu à cultura de salário, em consequência, não paga a quem trabalha? No Brasil, o assalariado não tem tempo para ganhar dinheiro, donde a farta economia de violência e negócios ambíguos: todos querem ser 'empresários'.


 No caso dos bombeiros, o retorno do recalcado, o grito uníssono da população detonou as reações irresponsáveis de políticos antiéticos, oportunistas, e, em sua maioria, desonestos. Há muito mais processos no Brasil contra a corrupção generalizada de políticos que greves de lumpen, cujo salário mínimo, resquício da escravidão, corresponde a mais de 70% dos trabalhadores com carteira assinada.


 Dois anos como formador de executivos, em 40 municípios do Ceará, experiência de grande valia, deixam-me a vontade para evitar o discurso de escritório, mais atento aos filhos que estudam em escolas particulares que às grandezas e misérias correntes do ensino público. Senti na pele a violência simbólica de prefeitos, secretários; a censura explícita, as ameaças de que são vítimas executivos, formadores ou professores. A pobreza, o abandono de muitas escolas é uma vergonha imensurável. O número de prefeituras cujos mandatários foram condenados por corrupção, ou respondem a processos, fala por si.


 Esquerdistas e liberais de ontem são os carrascos de hoje? Não é a primeira vez que se fala de fascismo de esquerda. Deve-se aceitar a fatalidade: toda minoria, ao se tornar maioria, adere ao despotismo e é tomada por uma amnésia que faz dela lacaio, menino de recado, ou nova categoria de bandido social?


 Ao espancar professores, via polícia, vítima também de salários aviltantes e formação descartável, será que vereadores, representantes de uma oligarquia social, defendem algo que não seja eles e seu clã? Alguns políticos são donos de escolas, creches privadas etc., aí a formação é outra. O salário é outro.


 Quando a lei é fora da lei, deve-se ainda obedecê-la? Qual a legitimidade de uma classe política que faz do País um clube de partilha de poderes e cargos públicos ancorados no dinheiro fácil e na democracia dos negócios?


A democracia à brasileira, lembra Platão: 'Regra geral: toda palavra dirigida a um escravo deve ser uma ordem.'


 O deus do superego, bem pensante, tão legalista, é de fato o inimigo da liberdade, ele a perverte e se torna tirânico sob sua inspiração. A deflação de leis leva à inexistência da lei, à miséria da lei.

 (Daniel Lins, no O Povo)

 Do Blogue: Um texto pra guardar! Contexto: Greve de Professores de Fortaleza

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