Brasília, 11 de outubro de 2012
"Nós, Carlos Frederico Bastos Peres da Silva e Fabrício Araújo Prado,
viemos registrar nossa indignação com o tratamento que recebemos da
equipe de segurança do Supremo Tribunal Federal.
O senhor Carlos Frederico dirigiu-se, por volta das 14 horas do dia
10 de outubro, ao Supremo Tribunal Federal, a fim de assistir à eleição
dos novos presidente e vice-presidente da Egrégia Corte. Ao chegar ao
Tribunal, passou pelo detector de metais, sem que houvesse nenhuma
anormalidade, e seguiu em direção à mesa de identificação e registro do
público, a qual dá acesso ao salão plenário. Ao entregar sua identidade
funcional de diplomata, foi informado, pela atendente, de que havia um
problema no sistema eletrônico de identificação. Ato contínuo, um
segurança aproximou-se e reiterou que o sistema de registro havia
sofrido pane, razão pela qual não seria possível autorizar a entrada do
Senhor Carlos Frederico à plenária.
Causou estranheza que ele tenha sido o único visitante a ser afetado
pela pane, uma vez que diversas outras pessoas, brasileiras e
estrangeiras, entraram no salão sem empecilho algum.
Diante da demora em ver o problema resolvido, o senhor Carlos
Frederico reiterou a pergunta ao segurança sobre o que estava
acontecendo. O segurança repetiu o argumento da pane do sistema e
conduziu o senhor Carlos Frederico até a saída do STF, pedindo que ele
aguardasse lá, enquanto o problema estava sendo resolvido.
Por volta das 14:10 horas, o senhor Fabrício Prado chegou ao STF para
encontrar-se com o senhor Carlos Frederico (ambos diplomatas e colegas
de trabalho). Ao ver seu colega do lado de fora, o senhor Fabrício Prado
perguntou a um segurança que se encontrava na entrada se haveria algum
problema. O mesmo segurança esclareceu que a situação já estaria sendo
resolvida e que o senhor Fabrício Prado poderia passar pelo detector de
metais e proceder à identificação. Assim o fez. Ao chegar à mesa de
identificação, foi comunicado pela atendente que, também no seu caso,
havia um problema no sistema. Logo depois, o senhor Carlos Frederico foi
novamente conduzido por outro segurança (não o senhor Juraci) à mesa de
registro e lá se juntou ao senhor Fabrício, enquanto aguardavam pela
solução da 'pane'. Passado algum tempo, durante o qual outras pessoas se
identificaram e entraram no salão plenário, o segurança Juraci fez
ligação telefônica e informou que a entrada havia sido autorizada.
Questionado sobre a razão do problema, mencionou 'razões internas de
segurança'.
Já dentro da plenária, tivemos a oportunidade de conversar com o
chefe da segurança, salvo engano, chamado Cadra. Ele explicou que as
restrições à entrada remontavam à nossa primeira visita ao salão
plenário ao Supremo Tribunal Federal, no dia 3 de outubro. Não entrou em
maiores detalhes, mas disse que teríamos demonstrado comportamento
suspeito naquela ocasião. No dia 3 de outubro, chegamos juntos ao STF,
de ônibus, e passamos por três controles de segurança do STF, a saber: o
externo, localizado na Praça dos Três Poderes (a cerca de 10 a 20
metros de distância do ponto de ônibus); o de metais, na entrada do
Palácio do STF; e o interno, na mesa de identificação e registro do
público geral. Assistimos a parte da sessão de julgamento da Ação Penal
470 e saímos separados.
Ao final da eleição do dia 10 de outubro, deixamos o STF e retornamos
ao Ministério das Relações Exteriores. Inconformados com o tratamento
constrangedor e sem entender o fundamento da alegação de 'comportamento
suspeito', retornamos ao STF, por volta das 16:45 horas, em busca de
esclarecimentos. Fomos, então, recebidos pelo Secretário de Segurança
Institucional do STF, o senhor José Fernando Nunez Martinez, em seu
gabinete. Este último esclareceu que estava ciente de nosso caso desde a
primeira visita ao STF, no dia 3 de outubro, ocasião na qual teríamos
sido classificados como 'dupla de comportamento suspeito'.
No dia 3 de outubro, a 'suspeição' teria sido registrada em nossos
cadastros pessoais do sistema de segurança da Corte, disse o senhor
Martinez. Esclareceu que, ao retirar o senhor Carlos Frederico das
dependências do STF, o senhor Juraci teria desobedecido a suas ordem
diretas, as quais determinariam que ninguém poderia ser retirado
daquelas dependências sem aval da chefia de segurança. O senhor Martinez
afirmou, ainda, que o assunto deveria ter sido conduzido de outra
maneira. Disse, literalmente, que a equipe de segurança teria visto 'fantasmas', os quais teriam crescido ao longo do tempo e provocado o
incidente do dia 10 de outubro.
Não satisfeitos com a explicação oferecida pelo Secretário de
Segurança, perguntamos qual teria sido o 'comportamento suspeito' de
nossa parte. Após ressalvar que esse é um julgamento subjetivo dos
agentes de segurança e que não teria sido ele próprio a formar esse
juízo, enumerou os supostos motivos que lhe foram relatados pela equipe
de segurança:
1- Que nós teríamos aparência 'muito jovem' para ser diplomatas.
Registre-se, aqui, que o senhor Carlos Frederico tem 45 anos e que o
senhor Fabrício Prado tem 31 anos de idade, como atestam as carteiras de
identidade emitidas pelo Ministério das Relações Exteriores,
apresentadas à mesa de identificação já no dia 3 de outubro.
2- Que os seguranças suspeitaram da veracidade dos documentos de identidade apresentados.
3- Que, na saída da sessão do dia 3 de outubro, as suspeitas teriam
sido reforçadas por termos, supostamente, saído 'juntos' do STF, 'com o
passo acelerado', comportamento interpretado como tentativa de despistar
os seguranças que nos seguiam.
Cumpre esclarecer que, no dia 3 de outubro, deixamos o STF em
momentos distintos, o que não condiz com o relato que, segundo o
Secretário de Segurança, lhe teria sido feito por sua equipe. Além
disso, nunca nos demos conta de que estávamos sendo seguidos nem
apressamos passo algum. Todas estas revelações nos causaram desconforto
ainda maior com relação aos incidentes.
Perguntado se o incidente teria relação com o fato de sermos
afrodescendentes, negou veementemente que o comportamento da equipe de
segurança tivesse tais motivações. Também pediu desculpas em nome de sua
equipe pela sucessão de incidentes.
Diante da gravidade dos fatos relatados, manifestamos nossa
indignação com os injustificados constrangimentos aos quais fomos
submetidos, a saber: registro no cadastro de entrada como 'suspeitos';
remoção temporária do Senhor Carlos Frederico das dependências do STF;
obstruções a nossa entrada na plenária; e perseguição por seguranças
após nossa saída do STF.
Sentimos-nos discriminados pelo tratamento recebido - e no caso do
Senhor Carlos Frederico, profundamente humilhado por ter sido retirado
do STF no dia 10 de outubro.
Dada a natureza 'kafkiana' dos incidentes, as explicações
insuficientes e desprovidas de qualquer lógica razoável prestadas pela
Secretaria de Segurança Institucional não nos satisfazem, razão pela
qual não nos furtaremos a adotar as medidas cabíveis para fazer valer
nossos direitos.
Não poderíamos deixar de expressar nossa tristeza com o fato de
termos sido submetidos a tal constrangimento na data da eleição do
primeiro negro a assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, pelo
qual temos profundo respeito e admiração."
Atenciosamente,
Carlos Frederico Peres Bastos da Silva
Fabrício Araújo Prado
(Publicada pelo Folha de São Paulo)
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