Paulo Moreira Leite, ÉPOCA
(...)
No
tempo em que Fernando Henrique Cardoso era sociólogo, ele ensinava que a
opinião pública não existe. O que existe, explicava, é a “opinião
publicada.” Esta é aquela que você lê.
O
julgamento do mensalão começa em ambiente de opinião publicada. O
pressuposto é que os réus são culpados e toda deliberação no sentido
contrário só pode ser vista como falta de escrúpulo e cumplicidade com a
corrupção.
Num
país que já julgou até um presidente da República, é estranho falar que
estamos diante do “maior julgamento da história.” É mais uma opinião
publicada. Lembro dos protestos caras-pintadas pelo impeachment de
Collor. Alguém se lembra daquela da turma do “Cansei”?
Também
acho estranho quando leio que o mensalão foi “revelado” em junho de
2005. Naquela data, o deputado Roberto Jefferson deu a entrevista à
Folha onde denunciou a existência do “mensalão” e disse que o governo
pagava os deputados para ter votos no Congresso. Falou até que eles
estavam fazendo corpo mole porque queriam ganhar mais.
Anos
mais tarde, o próprio deputado diria – falando “a Justiça, onde faltar
com a verdade pode ter mais complicações – que o mensalão foi uma
“criação mental”. Não é puro acaso que um número respeitável de
observadores considera que a existência do mensalão não está provada.
A realidade é que o julgamento do mensalão começa com um conjunto de fatos estranhos e constrangedores. Alguns:
1.
Roberto Jefferson continua sendo apresentado com a principal testemunha
do caso. Mas isso é o que se viu na opinião publicada. Na opinião não
publicada, basta consultar seus depoimentos à Justiça, longe dos jornais
e da TV, para se ouvir outra coisa. Negou que tivesse votado em
projetos do governo por dinheiro. Jurou que o esquema de Delúbio Soares
era financiamento da campanha eleitoral de 2004. Lembrou que o PTB, seu
partido, tem origens no trabalhismo e defende os trabalhadores, mesmo
com moderação. Está tudo lá, na opinião não publicada. Ele também diz
que o mensalão não era federal. Era municipal. Sabe por que? Porque as
eleições de 2004 eram municipais e o dinheiro de Delúbio e Marcos
Valério destinava-se a essa campanha.
2.
Embora a opinião publicada do procurador geral da República continue
afirmando que José Dirceu é o “chefe da quadrilha” ainda é justo esperar
por fatos além de interpretações. Deixando de lado a psicologia de
botequim e as análises impressionistas sobre a personalidade de Dirceu é
preciso encontrar a descrição desse comportamento nos autos. Vamos
falar sério: nas centenas de páginas do inquérito da Polícia Federal –
afinal, foi ela quem investigou o mensalão – não há menção a Dirceu como
chefe de nada. Nenhuma testemunha o acusa de ter montado qualquer
esquema clandestino para desviar qualquer coisa. Nada. Repito essa
versão não publicada: nada. São milhares de páginas. Nada entre Dirceu e
o esquema financeiro de Delúbio.
3.
O inquérito da Polícia Federal ouviu 337 testemunhas. Deputados e não
deputados. Todas repetiram o que Jefferson disse na segunda vez. Nenhuma
falou em compra de votos para garantir votos para o governo. Ou seja:
não há diferença entre testemunhas. Há concordância e unanimidade,
contra a opinião publicada.
4.
A opinião publicada também não se comoveu com uma diferença de
tratamento entre petistas e tucanos que foram agrupados pelo mesmo
Marcos Valério. Como Márcio Thomaz Bastos deve lembrar no julgamento,
hoje, os tucanos tiveram direito a julgamento em separado. Aqueles com
direito a serem julgados pelo STF e aqueles que irão para a Justiça
comum. De ministros a secretárias, os acusados do mensalão petista
ficarão todos no mesmo julgamento. A pouca atenção da opinião publicada
ao mensalão mineiro dá a falsa impressão de que se tratava de um caso
menor, com pouco significado. Na verdade, por conta da campanha tucana
de 1998 as agências de Marcos Valério recebiam verbas do mesmo Banco do
Brasil que mais tarde também abriria seus cofres para o PT. Também
receberam aqueles empréstimos que muitos analistas consideram duvidosos,
embora a Polícia Federal tenha concluído que eram para valer. De acordo
com o Tribunal de Contas da União, entre 2000 e 2005, quando coletava
para tucanos e petistas, o esquema de Marcos Valério recebeu R$ 106
milhões. Até por uma questão de antiguidade, pois entrou em atividade
com quatro anos de antecedência, o mensalão tucano poderia ter
preferência na hora de julgamento. Mas não. Não tem data para começar.
Não vai afetar o resultado eleitoral.
É engraçada essa opinião publicada, concorda?
Colaboração: Eliton Meneses
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