sábado, 27 de julho de 2013

TEXTO LONGO... MAS TRAZ ÓTIMA REFLEXÃO!

   "CONSCIÊNCIA DE MONTURO

Pelo tino arcaico dos burgomestres da Aldeia sobrará sempre para o meio ambiente o sacrifício para se ter um aldeamento, supostamente, melhor. E vai-se, no lombo de um discurso autoritário, assistindo a reconstrução de uma Cidade em que grilos e castanholeiras são menos importantes que viadutos e carros.
  Sim, pontes e automóveis podem favorecer as travessias. Mas são menos essenciais que borboletas estaladeiras que do doce das castanholas, na cadeia da vida breve-bonita-e-longa delas, trabalham para inventar o que respiramos. Isso é presteza ambiental.
  É que os chefes da Aldeia, do Paço e do Palácio, por eles, ainda rebolariam no mato o que há em seus penicos. Uma consciência de monturo ainda os possui, apesar de viagens pelo mundo velho, os títulos de arrotar e a idade das raposas.  Até um desembargador foi (ou se deixou ir) na conversa fiada de que 'mobilidade urbana' só se resolve se 'mais pedacinho' da floresta for ao chão. De vinte em vinte metros, aos pouquinhos, construíram um shopping, 300 prédios (com quintal privilegiado), trinta favelas, mais isso, aquilo e aquilo outro...  A Cidade terá, mesmo, mais vantagens se o Cocó for abocanhado outra vez em seus limites já acuados? Terá não, excelência. Suspenda o juízo e experimente pensar um bocadinho nos tempos que se esquadrinharão. No óbvio. O senhor duvida que daqui a quatro anos a Aldeia terá muito mais carros e engarrafamentos do que hoje? Que uma nova tsunami de IPI zero me fará trocar o carro ou comprar, finalmente, meu primeiro Landau? Que o transporte público daqui será de fazer inveja à Paris? Que ali e acolá o trânsito engargalado será uma joia por causa de dois viadutos? Vai não, meritíssimo.  E aí, daqui a quatro anos, o burgomestre da hora (que provavelmente será o mesmo de hoje) mais uma vez invadirá o Cocó para fazer pontes salvadoras. Matará novamente as árvores, espantará as borboletas e dará língua e dedo (porque não pode ser contrariado) para o João teimoso e a Rosa das resistências.
  Dois viadutos, ali, serão como um casal de hipopótamos no banheiro do senhor, desembargador. Imprudente, sobrante, inoportuno e 'estoporante' para dizer o menos.   Atente, meritíssimo! Derrubaram tanto a floresta que o Cocó foi se amiudando com os seus. O rio se empanturrou de areia, não navega mais. E, no que resta de mata, há garrafas de Coca-cola e condomínios com TVs a cabo. Tá bom, já deu.
  Convido o senhor para passar uns dias comigo, espreitando a vida que se vai indo debaixo de um flamboyant vermelho na esquina da Engenheiro Santana Júnior com a Pizza Hut. Lá, acompanho os dias de cinco espécies de pássaros: casais de suruiri, lavadeiras-de-maria, pardais, rolinhas e galos-campina. Uns urbanos e outros que se tornaram.  Estão por ali porque o lixo da pizzaria e de outros empreendimentos os 'favorecem'. Tanto comem os restos das massas como caçam os insetos que nascem das porcarias mal ensacadas e encostadas no tronco da árvore bonita e nas coxias do entorno do pé de pau.
  Quero dizer o que com a história dos passarinhos e o flamboyant? O prejuízo de 94 árvores no chão pode ser pequeno diante da repercussão avassaladora dos viadutos para o que resta de floresta, rio e os moradores dali. Gente e bicho. Se o Cocó já fosse um parque, tivesse pai e mãe registrados em cartório, a inteligência municipal e estadual teria de arranjar outro jeito que não fossem dois elevados. Por muito tempo, acreditei no que escreveu ou disse Fausto Nilo em entrevistas: que o problema de 'mobilidade urbana' na Aldeia não se resolve com rasgamento de novas avenidas, ponte estaiada e construção de viadutos. Transporte coletivo de vergonha e segurança para ir e vir poderiam nos tirar do mar de carros em que vamos nos afogando.
  E sem tronco para nos agarrar."


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O TRANSPORTE QUE EXISTE. PROS OUTROS