"Envelhecer
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas; sabe, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece-se o significado das coisas; tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... Depois envelhece seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo. Não. Primeiro envelhecem os olhos ou as pernas, o estômago ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo a alma ainda está repleta de desejos e recordações; busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta, a não ser as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz conheces tu com exatidão: a primavera ou o inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades; tens tudo calculado; já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice."
Sándor Márai (escritor e jornalista húngaro), in "As Velas Ardem Até ao Fim"
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segunda-feira, 10 de outubro de 2016
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