"Num mundo cada vez mais individualista, o Carnaval assusta porque afronta a decadência da vida em grupo, reaviva laços contrários à diluição comunitária, fortalece pertencimentos e sociabilidades e cria redes de proteção social, nas frestas do desencanto. A festa é coisa de desocupados? Fale isso para as trabalhadoras e trabalhadores da folia. O Carnaval é também, pra muita gente tratada como sobra vivente, alternativa de sobrevivência material, afetiva e espiritual. Escolas de samba, por exemplo, constituíram-se como instituições comunitárias das populações afro-descendentes. Possuem ainda, mesmo com todos os dilemas, setores orgânicos que, a partir delas, elaboram sentidos de interação de mundo. Por isso afirmei que o Carnaval está sob ataque, faz tempo: os higienistas da casa grande querem eliminá-lo, os tubarões do mercado querem gentrificá-lo, os mercadores da fé querem atrelá-lo ao imaginário do pecado. O Brasil não inventou o Carnaval, é certo. Mas o povo do Brasil vivenciou de tal forma o Carnaval (na pluralidade de suas manifestações), que ocorreu o inverso: foi o Carnaval que inventou um País possível e original, às margens do projeto de horror, que historicamente nos constituiu. É perturbador para certo Brasil - individualista, excludente, sisudo, inimigo das diversidades, trancafiado - lidar com uma festa coletiva, inclusiva,alegre, diversa e rueira.
Tenso e intenso, como lâmina e flor, o Carnaval assusta porque nós coloca diante do assombro da vida. (...)."
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