11 de jun. de 2024

OS VERSOS (CRUS) DE AUGUSTO (PARAÍBA)

Poema negro - Augusto dos Anjos

Para iludir minha desgraça, estudo (1)
Intimamente sei que não me iludo
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!

A passagem dos séculos me assombra (2)
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.
   

Em vão com o grito do meu peito impreco! (3)
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu torço os braços numa angústia douda
E muita vez, à meia-noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que há de comer a minha carne toda! (...)

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