Dever de casa e tarefa da escola
"Ninguém questiona o mantra segundo o qual pais zelosos devem acompanhar os estudos dos filhos
Professor particular, professor tutor, tia, avó que foi professora, horas obrigatórias de estudo, etc, etc, etc.Pai e mãe que chegam do trabalho e, em vez de se dedicarem ao relacionamento com o filho, vão estudar junto com ele. No início, com paciência para explicar tudo nos mínimos detalhes. Pouco tempo depois, sem paciência alguma e, não raramente, chegando aos gritos com o filho.
Tudo isso porque estamos chegando ao final do ano letivo e muitas crianças, por causa das notas, estão a perigo tanto do ponto de vista da escola quanto do ponto de vista dos pais.
Alguns pais me disseram que irão fazer o filho - e falo de crianças com menos de 11 anos - estudar todos os dias com professores particulares para 'recuperar' toda a matéria dada desde o início do ano. Só assim, me disseram, o filho conseguirá aprender a matéria apresentada agora, já no último bimestre. Tenho pena dessas crianças. Em primeiro lugar, porque pais e escolas pensam que o processo de aquisição de conhecimento é igual ao de escalar um morro: antes de chegar ao topo seria preciso dar muitos passos.
Não: já sabemos há muito tempo que o conhecimento não exige pré-requisitos, ou seja, não é preciso aprender determinados temas para chegar a outros. Essa ideia está ultrapassada, tanto quanto nossa organização escolar seriada que agrupa os alunos por idade. Como diz Ken Robinson, autor inglês que trata da criatividade e da inovação em educação, a data de fabricação das crianças não é o que as agrupa quando se trata de aprendizagem do conhecimento. São seus ritmos e modos de aprendizagem. Em nosso país, o mantra de que os pais zelosos devem acompanhar os estudos dos filhos não é questionado, tampouco problematizado.
Ponto para a nossa ideologia escolar, que consegue, desse modo, delegar aos pais tarefas que são da instituição de ensino. E como tem escola reclamando que os pais delegam a elas suas responsabilidades, não é?
O fato é que com a família em transição e a escola congelada seria preciso rediscutir as funções de ambas e, inclusive, criar as bases do que poderíamos chamar de 'parceria escola-família'.
O que os pais podem fazer para ajudar o filho que precisa reagir em sua vida escolar? Eles podem, por exemplo, ajudá-lo a entender que conhecimento exige esforço.
Uma ótima atitude a se tomar é organizar o dia do filho para que ele tenha horários de estudo - entre outras coisas - e um local para fazer isso longe das tentações que costumam ser estimulantes para ele.
Insistir para que o filho 'grude a bunda na cadeira' até conseguir estudar e focar sua atenção é outra atitude favorável que complementa a primeira.
Nem a escola ensina isso. Basta o estudante experimentar alguma dificuldade que ele pede para ir ao banheiro, tomar água, etc. E a escola permite, ou seja, não ensina que aquela dificuldade pode ser superada com esforço e concentração.
Conversar com o filho a respeito da matéria que ele estuda, fazer perguntas que a escola não faz, ajudar o filho a fazer relações entre o tema e a vida ou mostrar a ele algumas dessas relações também incentivam bastante a criança a entender o que é que ela estuda, afinal.
Sim, os pais podem, como nós acabamos de ver, ajudar o filho em sua vida escolar, mas não como se fossem eles os professores. Podem ajudar como pais, que nem sequer precisam saber o conteúdo das lições.
Se não fosse assim, como é que tantas pessoas com pais analfabetos conseguiriam estudar?
Os pais devem ajudar ensinando a atitude diante do estudo. Simples assim. Mas é algo tão difícil de realizar quanto simples."
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?"
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