terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O BRASIL GOVERNADO PELO FUNDAMENTALISMO?

   Frei Betto - escritor e assessor de movimentos sociais

  "Algo me preocupa: a confessionalização da política. Na eleição de Dilma, o tema religioso ganhou mais relevância que programas de governo. Na de prefeito, na capital paulista, pastores e bispos se conflitaram, e padre Marcelo Rossi virou ícone político. A modernidade separou Estado e Igreja. Agora o estado é laico. Portanto, não pode ser pautado por uma determinada crença religiosa. E todas elas têm direito a difundir sua mensagem e promover manifestações públicas, desde que respeitado quem não crê ou pensa de modo diferente.   O Estado deve estar a serviço de todos os cidadãos, crente e não crentes, sem se deixar manipular por esta Igreja ou aquela denominação religiosa. O passado do Ocidente comprova que mesclar poder religioso e poder político é reforçar o fundamentalismo e, em suas águas turvas, o preconceito, a discriminação e, inclusive, a exclusão (Inquisição, 'heresias', etc.). Ainda hoje, no Oriente Médio, a sobreposição de doutrina religiosa em certos países produz políticas obscurantistas.   Temo que também no Brasil esteja sendo chocado o ovo da serpente. Denominações religiosas apontam seus pastores a cargos eletivos; bancadas religiosas se constituem em casas legislativas; fiéis são mobilizados segundo o diapasão da luta do bem contra o mal; igrejas se identificam com partidos; amplos espaços da mídia são ocupados pelo proselitismo religioso.   Algo de perigoso não estaria sendo gestado? Já não importa a luta de classes nem seus contornos ideológicos. Já não importa a fidelidade ao programa do partido. Importa a crença, a fidelidade a uma determinada doutrina ou líderes religiosos, a 'servidão voluntária' à fé que mobiliza corações e mentes.   O que seria de um Brasil cujo Congresso Nacional fosse dominado por legisladores que aprovariam leis, não em benefício do conjunto da população, e sim, para enquadrar todos sob a égide de uma doutrina confessional, tenham ou não fé nessa doutrina?   Sabemos que nenhuma lei pode forçar um cidadão a abraçar tal princípio religioso. Mas a lei pode obrigá-lo a se submeter a um procedimento que contraria a razão e a ciência, e só faz sentido à luz de um princípio religioso, como proibir transfusão de sangue ou o uso de preservativo.   Não nos iludamos: a história não segue em movimento linear. Por vezes, retrocede. E aquilo que foi ainda será se não lograrmos predominar a concepção de que o amor – que não conhece barreiras e 'tudo tolera', como diz o apostolo Paulo – deve sempre prevalecer sobre a fé."
 
  (Frei Betto, novembro de 2012)

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