domingo, 4 de abril de 2021

ANÁLISE

 "O último coronel

No Ceará, talvez mais que no resto do País, impera um incômodo silêncio sobre a ditadura. Se poucos falam dos crimes do regime, também, por outro lado, são raros os que se levantam para celebrá-lo. Isso, talvez, se deva à melancolia que marcou o fim da ditadura, com o Ceará quase quebrado, em meio ao caos social, econômico e administrativo. E também à vitória de Tasso Jereissati, nas eleições de 1986, atacando as 'forças do atraso', então, no poder, os chamados coronéis: César Cals, Virgílio Távora e Adauto Bezerra.
Desde o AI-3, de 1966, as eleições dos governos estaduais eram indiretas, feitas pelas assembleias legislativas. Na prática, quem tivesse as bênçãos dos generais de Brasília iria comandar os estados. Com isso, os referidos coronéis do Exército dominaram o Ceará nos anos 70 e começo dos 80. Era uma 'união na desunião'. César (mandato 1971-75), Adauto (1975-78) e Virgílio (1979-82) dominavam a política local, mas travavam duras disputas entre si. No geral, deram prosseguimento ao que é chamado de modernização conservadora, apostando na indústria e grandes obras de infraestruturas, embora mantendo as práticas políticas as mais tradicionais.
Adauto compôs o 'triunvirato' por uma série de fatores. Fez carreira militar e sua família era uma das mais tradicionais do Cariri, envolvida com a cotonicultura. Foi um passo a inserção política. Com seu irmão gêmeo, Humberto Bezerra, ocupou diversos mandatos eletivos. Tendo respaldo do grupo familiar, laços com a caserna, algo importante na ditadura, chegou ao governo do Ceará, em 1975, com as bênçãos de Geisel. Governou apenas 3 anos, renunciando após um escândalo envolvendo a tortura e morte, pela polícia, de um dos vigias das empresas da família. Embora não houvesse provas de ligações do governador, foi 'aconselhado' por Geisel a deixar o Palácio da Abolição. Era a época da 'distensão' e Geisel queria controlar os duros e os 'excessos' do regime.
O ocaso da ditadura era o eclipse do poder dos coronéis. Ainda tiveram uma sobrevida, com a eleição, em 1982, do governador Gonzaga Mota, de quem Adauto seria vice. Mota, depois, rompeu, um a um com os padrinhos. Unidos para tentar readquirir o comando do estado, os coronéis tiveram que se defrontar em 86 com um jovem Tasso Jereissati. O tassismo venceu, marcando o início de um novo ciclo do poder. Derrotados, os coronéis eram, não raro, detratados ou esquecidos ante a 'modernização' do tassismo. A morte de Adauto encerra cada vez mais o século XX e nos convida a pensar a história local para além das dicotomias simplórias."
Aírton de Farias
Historiador

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