"Fortaleza faz aniversário com muitas conquistas e vários problemas.
Completa 286 anos no próximo dia 13, com múltiplos motivos para
festejar. Aguarda ansiosa obras estruturantes, assusta-se com o volume
de veículos que congestionam ruas e avenidas, constata uma interminável
lista de carências. Não se muda a cidade só na aparência. Não adianta
implantar prédios grandiosos, modernos e funcionais se a cidade não
acolhe a todos, se a distribuição de renda é extremamente desigual.
Fortaleza
chega a essa idade com contrastes desoladores. A Semana Santa finda no
último domingo escancarou as misérias de nossa cidade. Nas ruas, levas
de maltrapilhos pediam esmolas. Eram muitos nas esquinas, situação nada
condizente com a 'loura desposada do Sol'. A cidade com suas mazelas
expostas quer instalar um aquário grandioso, de construção cara e
manutenção dispendiosa.
Na mídia os problemas da cidade
aparecem e incomodam: violência, feridos e doentes acantonados em
corredores de hospitais; de escolas pouco atraentes para as crianças, habitações precárias.
Alheia
aos problemas, Fortaleza prossegue em plena expansão. A cidade camufla
as péssimas condições de vida de um enorme contingente da população
ostentando bairros e centros comerciais luxuosos e dinâmicos. A
incorporação de novos quarteirões e a abertura de grandes avenidas
comprovam a expansão urbana desordenada com praças e parques
amesquinhados em sua forma e na função, contradizendo a capacidade
atrativa da cidade.
A aparência bucólica de alguns bairros,
escamoteia a não valorização de seus espaços públicos. São poucas as
praças e são mínimos os cuidados com a paisagem urbana. Fortaleza é
pouco generosa com a rua, principal fragmento do espaço público. A
cidade contraditória relega suas áreas públicas e super valoriza espaços
privados voltados à animação como as praças de alimentação dos
shoppings.
O Centro, apesar dos novos investimentos como os
mercados São Sebastião e Central, Dragão do Mar e novas praças é o
bairro de aparência mais degradada. A migração de serviços
especializados para outros setores da cidade induziu o Centro para
funções não condizentes com sua expressão sociocultural. Mesmo assim,
permanece importante espaço de sociabilidade urbana. Suas ruas, praças e
calçadas, mesmo que amesquinhadas, garantem ainda a riqueza cultural do
encontro, da festa, reproduzida na circulação frenética da população.
Imagens
de um passado recente da cidade mostram uma Fortaleza que se reduzia à
atual área central, com prédios alinhados, ruas cuidadas e praças
ajardinadas. Não revelam, entretanto, o intenso controle espacial regido
pelos severos códigos de postura. Hoje, malgrado as desigualdades
sociais, é uma cidade mais democrática, com muitas oportunidades.
Espera-se que nos 286 anos de Fortaleza, os gestores que tomam decisões
que impactam a cidade tenham lucidez para repensar seu futuro."
José Borzacchiello da Silva
borza@secrel.com.br
Geógrafo e professor da Universidade Federal do Ceará, no O Povo de hoje.
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